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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Aline Gratuito na Amazon Kindle Store

A promoção do livro gratuito na Amazon Kindle Store desta semana é com o Aline, um conto espiritualista escrito em 2008, feito presente de aniversário para uma antiga amiga do falecido Orkut.
"Aline, ao completar 16 anos, ganha um presente muito especial de seu Mentor Espiritual.
Porém, antes disso, Snake ajuda sua protegida a resolver os problemas com os amigos encarnados."
Download gratuito até o próximo dia 4 de outubro, sábado.

https://www.amazon.com.br/dp/B00LZVRK1U

Aproveite para conhecer os outros livros e contos disponíveis na loja, cujos valores variam entre R$1,99, R$3,99 e R$5,99. CLICANDO AQUI.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Redenção - Novo Conto na Amazon

Redenção é um conto da Série Snake Stories, publicado na coletânea Romances em Fragmentos, sendo o último desse livro a ganhar uma versão individual em e-Pub e publicado na Amazon Kindle Store.

Redenção conta o início de um amor aparentemente impossível, cujos fatos são contados pelos dois personagens centrais: Julliette e Romero, cada um sob o seu ponto de vista.

Julliette e Romero são dois jovens bruxos, aspirantes à magos na Escola de Magia e Alquimia Hermes Trismegistu. Enquanto Julliette é uma bruxa natural, sem ligações mágicas familiares, Romero vem de uma linhagem antiga e tradicional, em que a estirpe é sagrada acima de tudo, não sendo aceito nenhum tipo de envolvimento com bruxos que não possuem o mesmo antecedente em Magia. Só por isso, até mesmo a amizade entre ambos seria inaceitável.

Porém, o destino sempre tão irônico, coloca esses dois personagens em uma situação em que o proibido será despertado, gerando um conflito que, naquele momento, nem Julliette e nem Romero poderão lutar contra as circunstâncias que os impedem de viver o romance.

Para quem gosta de romance dramático, com pouco açúcar e um final sem happy end, Redenção é uma boa dica de leitura rápida e prazerosa.

Conto de Ficção Fantástica, inicialmente inspirado no Universo de Harry Potter, para jovens adultos. A venda na Amazon Kindle Store, no formato e-Pub, por apenas R$ 1,99.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Conto - Aquele Vitelo, de César Soares Farias

Aquele Vitelo...

A noite encaminhava-se para um final feliz, com todas as escalas do romantismo sendo rigorosamente percorridas e executadas com uma precisão quase científica. As flores, a caixa de bom-bons, o passeio de carro à beira do Guaíba, as citações de Fernando Pessoa murmuradas caprichosamente ao pé do ouvido... Agora Jean Carlo estacionava o  Vectra  escarlate  em  frente  ao “Degusta”, restaurante do bairro São Geraldo  freqüentado  por  8 entre 10 casais de namorados da classe média porto-alegrense.

Vera, ou Verinha como era chamada na Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, devota de São Francisco, era uma galega pequenina, mas de contornos bem delineados, acabando por atrair os olhares e desejos de Jean, o galanteador conceituadíssimo entre as ninfas da Faculdade.

Tão certo como as uvas colhidas em vinhedos de Bento Gonçalves, após destiladas, vão para as garrafas, as mulheres que embarcavam naquele Vectra para um jantar no “Degusta” acabavam todas, sem exceção, no apartamento nº 203  do  edifício  2704, Rua Fernandes Vieira, bairro Bom Fim, mais precisamente no leito do acadêmico de Odontologia.

Após degustar a Carne de Vitelo ao Molho Branco, sugerida com grande entusiasmo e brilho no olhar pelo rapaz, Vera sentiu curiosidade sobre aquele prato tão delicioso que  acabara  de experimentar na companhia excitante  daquele moreno  de olhos verdes que acariciava suavemente, sem pressa, as suas mãozinhas. O vinho deixava-a descontraída.

Estavam em uma mesa privilegiada, junto à janela, de onde avistava-se a lua derramando emanações prateadas a refletirem-se no pequeno lago artificial do luxuoso restaurante. Um quarteto de cordas, composto por músicos da Orquestra de Câmara da Ulbra, num brinde aos devaneios amorosos, executava a irresistível “La Barca”. Quando o garçom aproximou-se novamente para encher-lhes as taças ela finalmente indagou:

-- Ai moço, como é que se prepara esse tal de Vitelo? ... Adorei.

-- Bom faz assim, quando nasce um bezerro tem que desmamá ele da vaca assim que começá a caminhá... Aí começa a dá só água pra ele, até fica anêmico, porque assim a carne fica bem branquinha e macia... Depois é só matá o filhote...
 
-- PLAFT!

A bofetada da galeguinha acertou a face direita de Jean, que corou ao notar, já sozinho, que nas mesas ao redor todos o miravam com sarcasmo.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Conto - O Homem da Ganja, de César Soares Farias

O homem da ganja

Afora aquele inconfundível cheiro que exalava pela janela quatro ou cinco vezes por semana, não havia nenhum outro motivo para reclamações na vizinhança. Dona Íria e Seu Jacinto que o digam. Moravam ao lado da cabana de madeira envernizada que  pertencia ao inofensivo maconheiro, novo morador daquela pacata Rua das Bromélias. O casal de anciãos era freqüentemente acudido pelo rapaz, que possuía avançados conhecimentos de eletricidade e conserto de eletrodomésticos em geral. Foi ele quem recuperou, sem cobrar qualquer tostão, a batedeira, o aparelho de som e o ferro de passar roupas dela. Em pouco tempo, tornou-se Cauã o mais confiável quebra-galhos da rua. Quando o assunto era rede elétrica, quase todos, exceto a família do Humberto, requisitavam-no em suas horas de folga. A todos acolhia com um semblante sempre tranqüilo e agradável que conquistava crianças, adultos e idosos. Trabalhava de sol a sol, de segunda a sábado, na Instalsul Engenharia Ltda., firma solidamente estabelecida no centro da cidade. Mesmo assim, atendia a vizinhança sem demonstrar cansaço ou contrariedade, pelo simples prazer de ajudar.

Dona Íria, que adorava conversar sobre plantas, chás e ervas medicinais, encontrou nele um perfeito parceiro para a troca de receitas e novas fórmulas contra as mazelas do corpo. Aprendeu a usar o capim cidrão para elevar a sua pressão e a espinheira santa para combater a úlcera do Seu Jacinto. Também, graças ás dicas do moço, conseguiu finalmente curar a cistite da neta apenas com o chá de cavalinha e pata-de-vaca. Ela e o marido admiravam-no, mas andavam um tanto confusos pelos comentários surgidos em torno dele.

Apesar de viver honestamente, com o suor do próprio trabalho, respeitando cada morador vizinho sem distinção, Cauã e a sua cabana nº 12 da Rua das Bromélias andavam na mira da lei. O tal cheiro que incomodava, cheiro de erva queimada, atiçava, dia após dia, a inimizade de Humberto, proprietário de uma granja situada na descida da rua. O eletricista era um sujeito caseiro, que muito raramente recebia visitas, contudo, boatos começaram a associá-lo ao tráfico de drogas. Não tardou ele a perceber que a vizinhança começava a tratá-lo com certa frieza e que alguns pais já não deixavam os seus filhos pequenos demorarem-se para ouvi-lo em frente á cabana. Isso naturalmente incomodou-lhe um pouco, mas não o suficiente para fazê-lo mudar a postura com todos eles, pois era incapaz de guardar ressentimentos. Mudara a menos de um ano para o bairro, tendo em si a mesma determinação de um João-de-barro quando constrói o novo ninho. Fez questão de pregar, do assoalho ao telhado, cada tábua de sua casa. O trabalho lhe consumiu os domingos de folga durante dois meses inteiros. Nesse período, enquanto pacientemente erguia as paredes do “lar doce lar”, começou a cativar os vizinhos com o seu jeito simples, calmo e atencioso. Comprara aquele terreno com recursos que vinha ajuntando na caderneta de poupança à cerca de quatro anos.

Inicialmente, logo que se transferiu para o novo núcleo residencial, o odor da cannabis sativa foi atenuado pelo forte cheiro do verniz que ele ia aplicando à madeira. Com o tempo, porém, os olfatos mais apurados não tiveram muitas dificuldades para notarem que ele fumava maconha. Foi Dona Íria, a sua amiga de ar maternal, quem procurou abordar de frente o assunto durante uma conversa sobre a infusão das benditas ervas que curam. A explicação dada por ele tranqüilizou-a um pouco, pois afastou a hipótese do tráfico de drogas.

A sua relação com a ganja(*) tinha um caráter totalmente místico. Fumava para refletir melhor sobre problemas e esquecer experiências negativas, obtendo paz de espírito e coragem. A erva era para ele um canal de acesso ao Pai, deixando-o na freqüência certa para entoar os seus cânticos devocionais e preces ao mundo extrafísico. Além disso, auxiliava-o a exercitar o seu lado músico, que nunca, em nenhuma fase da sua vida, deixara de lado. Tinha um violão Giannini vermelho e nesses momentos de inspiração conseguia compor e aperfeiçoar as canções que escrevia. A ganja que consumia, comprava-a diretamente no sítio de um plantador anônimo na região metropolitana de Porto Alegre.

Nem todos tiveram a disposição e boa vontade de Dona Íria para ouvi-lo em suas justificativas. O tal Humberto da granja encabeçava a lista dos que desejavam vê-lo bem longe dali. O homem de 44 anos, criador de galinhas, tinha como principal fonte de renda a comercialização de ovos. Tinha também uma micro criação de suínos. Ano após ano ele comprava cinco ou seis porcos, alimentava-os bem e em dezembro, um pouco antes dos festejos natalinos, sangrava-os até a morte, vendendo-os em pedaços para a vizinhança. Do pai, já falecido, herdou a granja e a paixão pelo samba. Samba que não era feito com pandeiro, surdo, cavaco e violão, mas com cachaça e coca-cola, servidas em botecos da periferia. Bebia diariamente e sob o amparo da lei, dois ou três copos do “elixir” que o ajudava a esquecer mágoas, ganhar ânimo e tomar decisões. Costumava dirigir  o seu  velho  Passat   cinza  em   alta  velocidade quando se embriagava e ficava violento quando era contestado. Em março de 2005, durante a festa de aniversario da prima, num acesso de fúria, deu um tiro em seu cunhado, que, segundos antes, chamara o Grêmio Foot Ball Porto Alegrense de “timinho mixuruca”. Contratou logo em seguida um bom advogado e alegou, com sucesso, ter agido apenas em legítima defesa.

Numa noite qualquer, ao voltar do boteco, Humberto sentiu o odor proibido exalando da cabana e tomou finalmente a decisão que há algum tempo vinha arquitetando. Estacionou o veículo a dois quarteirões do local, em frente a um orelhão, desceu um pouco cambaleante e daquele aparelho telefônico acionou uma patrulha policial. Vinte minutos após, quando a nuvem de fumaça já havia se desvanecido no ar, uma viatura da Brigada deslocou-se ao endereço apontado para proceder às averiguações. Da cabana escutavam-se apenas os precisos acordes do violão de Cauã, e o único cheiro que exalava desprendia-se da graciosa árvore pitangueira plantada por Dona Íria em sua calçada. Uma brisa fresca encarregava-se de espalhar pela rua o perfume daquele fruto tropical, proclamando aos moradores da Terra o pleno domínio da primavera.

O criador de galinhas, após a frustração, ficou ainda mais obstinado em meter aquele usuário criminoso na cadeia. Gastou aquela madrugada inteira refletindo sobre a melhor maneira de entregar em flagrante delito o eletricista. Quando os primeiros raios de sol romperam as espessas folhagens da cerca verde que circundava a sua granja, Humberto saltou da cama com ar de triunfo. Seus olhos estavam ainda vermelhos e o hálito simplesmente insuportável. Entrou no Passat, que estacionara ao relento no pátio, e tomou o rumo do bairro Floresta, onde morava o seu tio, um policial civil aposentado. Não existia grande amizade ou simpatia entre ambos e havia quase dez anos que não se procuravam. Contudo, a ocasião oportuna lhe fez tomar a iniciativa. Teve o cuidado de comprar antes uma caixa de uísque importado, Ballantines, para amenizar a frieza do reencontro. O velho apreciava as delícias de um bom malte, pois com ele descontraía, ficava ousado com as mulheres e sentia-se jovem. A conversa durou o tempo suficiente para o granjeiro receber das mãos do tio um cartão de recomendações indicando-lhe a certa delegacia que se encarregaria de investigar a denúncia. Sem perder tempo, deslocou-se até o distrito policial indicado e acertou todos os detalhes necessários para a prisão do seu vizinho. Eufórico, tão logo saiu de lá, Humberto começou a desabafar pelos botecos da redondeza que a sua vitória estava próxima.

Durante um mês e meio, agentes civis infiltrados nos arredores monitoraram as noites de Cauã e descobriram a melhor hora para agir. A abordagem certeira foi planejada e no dia e hora marcados o rapaz foi revistado quando chegava em casa com um pequeno embrulho enrolado em papel alumínio. Levou dois tapas na cara e sem reagir conservou-se encostado no muro com as mãos e pés afastados. Dois transeuntes passaram rapidamente naquele instante e sem encará-lo apenas comentaram entre si:

-- Finalmente pegaram ele...

-- É, já tava na hora.

Para surpresa dos inspetores, no entanto, o embrulho continha Boldo do Chile, uma erva com características diferentes da procurada. Havia junto uma folha de papel manuscrito contendo uma breve instrução medicinal:
   
A/c de Humberto, domiciliado à Rua das Bromélias nº 34:

Remédio natural contra a ressaca

Coma iogurte natural antes de se deitar. Quando acordar tome 1 colher de mel. Fazer uma infusão de boldo e beber pela manhã. Antes de beber tome 1 colher de sopa de óleo de oliva.

Dona Íria, que assistira toda a operação pela fresta da janela, assim que a viatura se foi, surgiu rapidamente no vidro e ambos, ela e o eletricista deram uma cúmplice piscada de olhos.              


(*) Também conhecida como marijüana e cannabis, é uma erva medicinal milenar usada pelos adeptos da filosofia rastafári, não para diversão ou prazer, mas sim para  limpeza  e  purificação  em  rituais controlados. Muitos sustentam o seu uso através de Gênesis 1:29: “E disse Deus: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente. Isso vos será para mantimento”.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Lançamento do livro "Algarobas Urbanas", de Reynaldo Bessa



A Editora Patuá e o Bar Empório Alto dos Pinheiros convidam a todos para o lançamento do livro de contos "Algarobas Urbanas", de Reynaldo Bessa. O livro conta com projeto gráfico e capa de Leonardo Mathias .

O lançamento será realizado dia 27/09 - terça-feira - às 19h - no Bar Empório Alto dos Pinheiros - Rua Vupabussu, 305 - Pinheiros - São Paulo - SP. A entrada para o evento é gratuita e o livro estará à venda pelo valor de R$30,00 (dinheiro / cheque).


(Amigos e leitores de outras cidades ou estados que não puderem comparecer ao lançamento podem realizar a compra pelo site da Editora Patuá e receberão o livro autografado após o evento. As compras pelo site podem ser parceladas em até 12x. Aproveite!).

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Editora Patuá - Livros são amuletos

Aline Rocha e Eduardo Lacerda
Editores

..www.editorapatua.com.br
Tel.: 9768-2712 / 7022-0339

terça-feira, 27 de abril de 2010

Conto - Um Anjo Redentos - George Pacheco

UM ANJO REDENTOR

Sirenes ligadas. Homens, mulheres e crianças chorando, gemendo de dor. Um chei-o forte de éter. Em um hospital vê-se o que quer e o que não quer. Se ao menos houvesse muitos médicos para atendê-los... Não, não havia.

Adametropos trabalhava há quase vinte anos como enfermeiro. Muitos pacientes já haviam sido cuidados por ele. Suas mãos precisas efetuaram uma centena de curativos, aplicaram injeções mais ainda. Não era casado, não tinha filhos. Quase uma vida inteira dedicada a pessoas desconhecidas.

Sirenes ligadas, gente chorando... Já estava acostumado com isso. Essa profissão não é para qualquer um. É preciso gostar muito de ajudar as pessoas. E não se importar em ver sangue.

Em alguns dias os corredores ficavam até vazios, mas hoje... Haviam macas espalhadas, alguns pacientes que estavam em pé, outros sentados em cadeiras mal conservadas e tomando soro.

Adametropos cuidava de uma senhora, paciente terminal de câncer. Antigamente não se podia falar nem no nome dessa doença. Falavam “aquela doença ruim”. Estava quase gritando de dor. Seu corpo magro se contorcia na cama, desarrumando os lençóis que a cobriam. Não havia nenhum parente com ela. Acontece às vezes. Algumas pessoas são abandonadas pela família e isso é muito triste.

– Ah... Está doendo! Meu Deus me ajuda! – disse Dona Diva, com os olhos cheios de lágrimas, voltados para o enfermeiro que entrava no quarto agora.

– Calma Dona Diva... – disse ele com sua voz grave. Era chamado de locutor de cabaré por disso.
– Me ajuda moço... – disse ela quase sem forças.

– Isso vai deixar a senhora melhor... – disse ele aplicando uma injeção na garrafa de soro. Quase que instantaneamente a mulher foi se aquietando até dormir. Seu rosto ain-da estava molhado de lágrimas e Adametropos enxugou-as com as mãos.

Seus olhos marejaram. Era difícil se comover com os pacientes. Na verdade só havia acontecido nos seus primeiros plantões. Talvez fosse porque ela lembrava sua mãe. Ah sua mãe! Que saudades! Havia partido há tanto tempo... Não pôde ajudar. Morreu de re-pente e ninguém nunca soube o que havia sido. Por isso decidiu ser enfermeiro. Precisava ajudar os outros. Enquanto trocava de roupa pensava em como ajudaria mais pessoas, fora de seus plantões.

Foi para casa, tomou um banho e deitou-se um bocado, estava exausto. Quando acordou eram quase três horas da tarde. Levantou, lavou o rosto e comeu alguma coisa, assistindo televisão.

“Em pesquisa recentemente divulgada pelo governo, houve um aumento de trinta por cento da população de rua...”. – disse o jornalista. Sim! Os mendigos precisavam de ajuda. Aliás, já havia atendido a muitos no hospital.

Levou o prato até a pia e começou a destampar as panelas. Arrumou alguns pratos, tapando com outros e amarrando com panos de prato. Foi ter com os mendigos, lembrava que perto do hospital tinha visto alguns. A pesquisa do governo estava certa. Devia haver umas duas famílias inteiras por lá e muitas crianças. O que trouxe provavelmente não ia dar. Mas os mendigos dividiram tudo e quase que sobra. Emocionou-se novamente. Talvez fosse a primeira refeição deles e comeram como se fosse a última. Voltaria lá mais tarde.

No outro dia, ao chegar ao hospital recebeu a notícia. Dona Diva tinha partido, ainda pela manhã de ontem. Era apenas mais uma. Trocou de roupa e foi passando no leito de cada um. No setor de queimados, havia uns dez pacientes. Atendeu primeiro à Paloma, uma menininha de cinco anos. Sua mãe estava aquecendo o leite no fogão e deixou distraidamente a alça do canecão voltada para fora. A menina puxou-o derramado a bebida no rosto e no peito. Estava praticamente desfigurada.

– Bom dia Palominha... – disse ele se aproximando.

– Bom dia Sr. Tropis! – disse ela, que sorria, mesmo na dor.

– Então, como é que foi a noite?

– Eu senti um pouco de frio. Mas aí, minha mãe me cobriu e eu suei muito. – disse a menina arregalando um dos olhos. O outro, tinha a pele retorcida pela queimadura. A mãe estava sentada ao lado tentando segurar o choro, para que a menina não visse. Não pôde, e saiu para chorar no corredor.

– Vou te dar um remédio para você melhorar, está bem? – disse o locutor de cabaré.

– Cadê mamãe? – perguntou a menina voltando-se para a porta.

– Deve ter ido ao banheiro... – disse ele com jeito.

Deu o remédio à menina e partiu para os outros pacientes. Saiu dali e foi para a ortopedia. Também estava lotado. Ali havia acidentes de todos os tipos. Um homem havia caído da laje. Três mulheres haviam sido atropeladas no ponto de ônibus. Um rapaz havia batido de carro e tinha sorte de estar ali. Sua namorada estava sem o cinto de segurança e na pancada tinha sido arremessada pelo pára brisa dianteiro, indo parar a uns cinco metros do sinistro. Ele talvez ficasse paraplégico.

– Hei Adametropos! – Teu time é muito ruim mesmo, hein? – disse Sr. Carlinhos, um senhor de uns setenta anos. Tinha quebrado a bacia quando escorregou no banheiro de casa. Viúvo, morava com o filho.

– Ruim é o seu! – redarguiu o enfermeiro.

– Esse ano vou ter o prazer de ver o Vasco cair para a segunda divisão! – disse o velho com um radinho de pilha sobre o colo.

– E o seu está muito bem, não é? – disse ele trocando o soro do velho.

– O Fluminense? Eu nem vejo vocês pelo retrovisor! Por que é que você não fica em casa todo dia? Assim você evita as chacotas e eu sou cuidado só por aquela enfermeira gostosa que estava aqui ontem...

– A Neide? Da fruta que o senhor gosta ela come até o caroço! – disse ele atenden-do outros pacientes.

– Isso é porque ela não me conheceu ainda. Deixa comigo que eu dou um jeito nela!

E foi assim por todo o dia. Alguns choravam, outros faziam piada. Nada demais até as duas da madrugada. Chegou um rapaz que havia batido de moto. Estava todo ensangüentado, dando golfadas de sangue. No lugar da perna direita tinha um monte de carne retorcido com alguns cacos de osso. Foi direto para o CTI, mas já era tarde, seu coração já estava parado. Já estava quase amanhecendo, mas de lá não se podia ouvir o canto dos pássaros. Só gemidos e lágrimas.

Outro plantão exaustivo. Saiu do hospital e foi à padaria do outro lado da rua fazer seu desjejum. Alguns enfermeiros e parentes de internados faziam suas refeições ali, e levavam guloseimas escondido para os pacientes. Adametropos adoçava seu café com leite, enquanto os outros prestavam atenção no noticiário. O jornalista anunciava em tom austero informações sobre uma chacina.

“A polícia ainda investiga a chacina ocorrida na madrugada de segunda feira, em uma das ruas do centro da cidade. Foram dezoito mortos, entre homens, mulheres e crianças. Uma mulher, que não quis ser identificada, disse que foram muitos disparos de arma de fogo, por volta de uma hora da manhã. Ouviu muitos passos, mas não soube se eram dos assassinos ou dos mendigos que corriam desesperados.”

– Que absurdo! – disse a moça que limpava o balcão.

– Fiquei sabendo que foi aqui pertinho... – disse um cliente.

– Que Deus tenha piedade dessas almas... – disse Adametropos com lágrimas nos olhos. Estava sensível a este tipo de coisas nos últimos tempos.

A conversa ali na padaria girou em torno deste assunto. As mortes, a insegurança da população. Os hospitais lotados, a falta de preocupação do governo com o básico, saúde, segurança e educação. A sociedade estava à beira do caos.

O enfermeiro Adametropos saiu da padaria e caminhou até o ponto de ônibus. A rua onde aconteceu a chacina ficava no caminho deste. Passou em frente e ficou olhando na entrada do beco. Havia marcas de tiro nas paredes. A imagem das pessoas correndo lhe veio à cabeça. Lembrou-se de quando se fartavam com a comida que havia trago. Aquela havia sido a última refeição deles mesmo...

Chegou à porta de casa, tirou os sapatos, batendo um no outro para tirar a poeira. Entrou, abriu a camisa e foi pegar uma cerveja gelada. Era um dia quente. Foi para a sala e ligou a televisão. Sentou-se no sofá, esticou os pés na mesa de centro e degustou a bebida. Deixou escorrer algumas gotas pelo queixo, indo pingar em seu peito, cheio de cabelos brancos. Estava ficando velho.

Todos os canais falavam sobre o acontecido. Não adiantava mudar. No meio de programas de culinária abriam um espaço só para falar do assunto. Eles não demorariam a encontrar o culpado, ele sabia.

Em um dos canais, falavam sobre o hospital em que ele trabalhava.

“O Hospital Nossa Senhora das Dores está sendo investigado uma série de mortes. Muitos pacientes morreram mesmo tendo uma melhora no quadro. A senhora Mariluce Tavares, mãe de uma paciente, diz que sua filha estava bem, mas começou a se sentir mal depois de ter ingerido um comprimido, dado por um enfermeiro. – Eu tive que sair, por estar me sentido mal e quando voltei o enfermeiro tinha medicado minha filha. Ela teve um pouco de febre na noite anterior, mas não era nada demais. Em algumas horas ela morreu. Foi horrível. Nada vai trazer minha filha de volta! – disse a mulher aos prantos. A polícia investiga o envolvimento do enfermeiro nas mortes...”.

Ouviu o som de pisadas fortes na entrada de sua casa. Bateram a porta com força. Eram eles.

– Adametropos Ribeiro! Abra a porta, é a polícia! – gritaram. Haviam encontrado-o.

Adametropos estava farto de tanta aflição, tanta dor. Não resistiu a anos assistindo aquilo como coadjuvante. Embora curassem alguns, outros chegavam, com os mesmos sintomas, as mesmas doenças. O mundo era uma fábrica de doentes, acidentados, famintos e desesperados em linha de produção. Não, ele precisava fazer algo. E fez. Salvou dezenas de almas de tanto sofrimento, tanta angústia. Para onde foram, não teriam fome nem sede, nem dor. Uma terra onde corre leite e mel.

Os policiais chutaram a porta com mais força. Adametropos pegou o revólver que estava sobre a mesa de centro, tomou um último gole de sua cerveja e abriu a boca, pondo o revólver dentro. Apertou o gatilho no momento em que conseguiram arrombar a porta. Encontraram o corpo caído sobre o sofá e o sangue que escorria molhando sua roupa branca.

Mas vejam só. Nem todos que vestem branco são anjos...

George dos Santos Pacheco


George dos Santos Pacheco nasceu em Nova Friburgo, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro em 07 de outubro de 1981. Saudosista dos anos 80, geração a que pertence, sempre gostou de filmes, música e livros. Apesar disso não lia tanto, tornado-se um hábito quando se casou em 2003, pois sua esposa também é apaixonada por livros.


Assistia a uma entrevista em um canal de TV, num programa de debates. Tema: Literatura. “Todo mundo é capaz de escrever um livro” – diziam. –Eu? George Pacheco escrevendo um livro? – pensava. Sim, é possível. Começou a escrever e não parou mais. Hoje se considera um escritor compulsivo. Faz parte da nova safra de escritores do país, fazendo sua estréia com O Fantasma do Mare Dei, a ser lançado ainda em 2010, pela Editora Multifoco. Participa também da Coletânea de Contos Policiais Assassinos S/A Vol. II, também da Editora Multifoco, lançada em 03 de abril de 2010. Publica contos e crônicas em diversos sites, inclusive em seu blog, revistapacheco.blogspot.com.

Contatos pelo e-mail pacheconetuno@oi.com.br.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Ebook - Estranhas Histórias de Amor


O ebook conta com 100 páginas divididas entre 4 contos originais de Jossi Borges, sempre com o tema do romantismo sobrenatural, mas que tem mais a ver com o exoterismo e a espiritualidade do que com temas de vampiros, lobos, demônios, tão em voga ultimamente por causa daquele acidente chamado "Crepúsculo".

Pelo resumo do próprio livro, podemos ter uma prévia do que é cada conto:

O ESTRANHO
Um amor tão profundo e alucinante pode transformar uma pessoa? Rodrigo sentiu isso na pele, ao tornar-se para a esposa um homem completamente estranho...

ANGÉLICA
Uma moça moderna, apaixonada pelos mistérios do Antigo Egito, de repente se vê transportada para uma outra época e apaixona-se por um homem que não pode compartilhar sua vida com ela. Esse mistério que ela precisa desvendar leva-a ao encontro de outro homem, esse pertence à sua realidade... Mas ela conseguirá esquecer o príncipe egípcio e livrar-se da maldição que a faz viajar no tempo, mesmo sem querer?

A ESCOLHIDA
Núbia nunca pensou que sua “vida medíocre”, como ela dizia, iria passar por uma transformação tão intensa... e que ela iria conhecer um homem tão estranho, misterioso e fascinante quanto perigoso. Um homem que ia por em risco sua vida e o destino de toda a raça humana.

MEMÓRIAS PRÉ-MORTAIS
Podemos guardar lembrança de nossa vida pré-mortal? É possível rever alguém que amamos e que conhecemos antes da vida física? Ou amar alguém cujo destino jamais se entrelaçará ao nosso?

O livro pode ser adquirido na livraria virtual da própria autora, Amor & Livros, clicando aqui.

Custa R$ 10,00 e o envio é imediato após a confirmação de pagamento.

Para quem gosta de histórias diferentes que surpreendem por finais inusitados, pegando-nos desprevenidos, Estranhas Histórias de Amor é um prato feito e completo :)

Meus achismos em relações a cada conto:

O ESTRANHO

Este conto é de dar arrepios, embora não haja uma gota de sobrenatural sequer, muito pelo contrário: é real, muito real.

Quantos amores patológicos não vemos por aí, alguns até mesmo desfilando nas páginas policiais dos jornais, onde crimes são cometidos em nome do mais sublime dos sentimentos? Obviamente que não se havia ali o sentimento real e verdadeiro, mas uma obssessão doentia.

O Estranho é um conto narrado pela protagonista Leilane, que conta a história de amor trágico de sua amiga Keila, que, de tão maravilhosamente perfeita, caiu nas armadilhas do sentimento duvidoso e deturpado, tendo um fim que não merecia, apesar de tudo.

É daqueles contos que vc fica imaginando se a autora não relatou algum fato verídico de algum conhecido ou parente, de tão real e de detalhes tão sóbrios e possíveis. Há a morte no final, mas o interessante é como ela ocorrerá, pois como a Jossi conduz a história, nos faz imaginar mil possibilidades, pensando que está adivinhando o roteiro rs

Eu pensei em alguns finais trágicos e não acertei em nenhum :/ Isso quer dizer que a Jo conduz o conto sem clichês, o que é demais de bom ^^

ANGÉLICA

Achei a história linda! Angélica passa por situação que muita gente gostaria de passar (eu, inclusive XD), ter visões, deslumbres de vidas passadas, experiências extra-dimensionais... nossa, emocionante!

A princípio achei que as visões que ela tinha eram de lembranças de uma encarnação passada no Egito e que o tal principe do sarcófago fosse o professor; depois achei que fosse o medium, mas a Jo surpreende nós com uma situação mais louca e inusitada do que isso: a Angélica viajava pelo tempo e o tal principe chamava por ela.

Só que aconteceu de tudo se resolver mto fácil e simples... poderia ter enrolado mais umas boas 10 páginas rsrs

E essa Angélica é uma baita sortuda: 3 caras tdb a fim dela, sendo que um, inclusive, fez o impossível para tentar tê-la rs

É um conto mto mto bacana e que, acho, as meninas vão adorar e desejar ser a protagonista - ou viver o que ela viveu rs


A ESCOLHIDA

Há mta coisa para se identificar com a Núbia: vidinha sempre mediocre, enfadonha, tediosa, em que não consegue ser apenas um bom cristão conformado, que seria tudo muito mais fácil.

Até agora, a melhor história da antologia. Núbia é uma personagem fascinante porque não aceita a sua mera condição de mediocridade, gostaria de ter mais, de ser mais. Embora ela e a amiga Telma sejam um pouco imaturas e infantis.

Gostei de muitas passagens, pricipalmente nas que mostrava o quanto Núbia estava chegando aos seus limites em continuar a aturar uma vida estéril e insignificante. Mas, apesar de tudo que ela passou - e não foi pouca coisa - não dá pra saber se a vidinha dela ganhará alguma corzinha, porque a Jo encerra o conto por aí rs Fiquei na espectativa da decepção ao ver que a Jo conduzia a história para a Núbia acabar com o priminho boçal, mas ao menos ela nos alivia dando a entender que ela acabaria com um personagem mil vezes mais interessante.
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